Se for para analisar o perfil abnegado e destemido dos nobres soldados de Alagoas, motivos não vão faltar para celebrar. Mas, se for para ser racional, há anos os militares do Estado são sacrificados com baixo efetivo, desvalorização salarial e desprestígio em relação a outras categorias. Especificamente aqui, um ingrediente a mais tem causado revolta na tropa e tira o brilho das comemorações do Dia do Soldado, neste domingo (25 de agosto). A possibilidade de anulação de milhares de decisões judiciais em favor dos que buscam ascensão na carreira, proposta pelo governo Renan Filho e acatada pela Presidência do Tribunal de Justiça, é, sem dúvida, a pior notícia que a categoria recebeu este ano e pode ser um divisor de águas na luta contra as injustiças sofridas ao longo de todos estes anos. E a chance destas promoções serem anuladas a partir da semana que vem é grande. Isto porque o Comando da Polícia Militar de Alagoas publicou, no Boletim Geral Ostensivo (BGO), nesta semana, a lista de progressão para um grupo grande de policiais, o que inclui também vários soldados. Na avaliação do presidente da Associação dos Cabos e Soldados (ACS) de Alagoas, sargento Wellington Silva, a medida administrativa do comandante é um sinal claro de que a determinação do presidente do TJ, Tutmés Airan, será cumprida. O desembargador suspendeu todas as promoções sem trânsito em julgado, expedidas pelo Juízo de 1º Grau, após acatar os argumentos apresentados pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). O órgão estadual alega que as sucessivas decisões que beneficiam os militares em busca de progressão na carreira estão impactando as contas públicas. Airan sugeriu às entidades que retirem os processos e tentem um acordo com o governo para que as promoções aconteçam pelo fluxo administrativo. As entidades dizem que, pelo histórico, é praticamente impossível o entendimento. "Somos soldados valentes, temos compromisso com a sociedade e trabalhamos para estabelecer a ordem. Poderíamos até comemorar por estes motivos, mas recebemos como presente do governador Renan Filho estas despromoções. Infelizmente, pelo nosso trabalho, deveríamos ser melhor valorizados", avalia o sargento Wellington Silva. O recurso ingressado no TJ para tentar reformular a decisão da Presidência ainda não foi julgado pelos desembargadores que integram o Pleno da Corte. O representante da ACS revela que Tutmés Airan abriu prazo de 30 dias para que o Estado apresente as alegações no agravo de instrumento. Em seguida, será a vez do Ministério Público. Somente após estas etapas, a ação deve ser analisada em plenário. "O tempo está passando e eu só temo o que pode acontecer se a decisão de suspender as promoções passar a valer. Como será que vai reagir o militar que terá sua promoção anulada? Temo pelo sentimento, pela vida e pela saúde deste policial após receber uma notícia desta. É uma medida que o afeta social, econômica e psicologicamente", avalia Silva. 'MILITARES SÃO APUNHALADOS PELO GOVERNO'
Presidente da Aspra-AL, Simas diz que postura do governo ofusca o sentimento de dignidade dos militares FOTO: THIAGO GOMES
Já o presidente da Associação das Praças da PM e Corpo de Bombeiros de Alagoas (Aspra-AL), sargento Wagner Simas, diz não ter adjetivos para qualificar o sentimento dos militares, que atuam de maneira correta no dia a dia e estão conseguindo reduzir os índices de criminalidade do Estado, e mesmo assim, estão sendo apunhalados pelo governo. Ele também se diz triste e sem motivos para comemorar o Dia do Soldado. "E, quando eu falo que não tenho adjetivos, é porque o governo do Estado, que tanto coloca a Segurança Pública como marco da atual gestão, tira o brio do dever a cumprir dos militares, mesmo com o sacrifício da própria vida. Também ofusca o sentimento de dignidade quando manipula, junto ao Poder Judiciário, com seu poder político, uma decisão para despromover os militares que buscam como única forma de solucionar o fluxo da sua carreira, na esfera judicial", destaca. Ele diz que, neste domingo, a tropa não tem muito o que comemorar, mas, ironicamente, afirma que o governo Renan Filho, sim. "Na contramão da redução da criminalidade, Renan Filho, ao invés de prestigiar os militares, deixando seguir o fluxo da carreira única, que promove a autoestima do profissional para desempenhar sua atividade, retira esse direito ao manipular com o Poder Judiciário". Segundo Simas, o governo Renan Filho não se senta com a categoria e mantém a prepotência e arrogância no que diz respeito à valorização do servidor público. "O sentimento é de tristeza mesmo. Grande parte dos militares está buscando ascensão profissional da maneira que convém no momento e nem assim está conseguindo". BOMBEIROS TÊM BAIXO EFETIVO E SALÁRIOS DEFASADOS
Camila Paiva cita baixo efetivo como o grande problema hoje FOTO: FELIPE BRASIL
Na ótica dos soldados que integram as fileiras do Corpo de Bombeiros, a situação dos militares tem alguns complicadores. Segundo a presidente da Associação dos Bombeiros Militares de Alagoas, Camila Paiva, pelo menos duas queixas antigas fazem parte da pauta de reivindicação: o baixo efetivo e a defasagem salarial. A representante da tropa revela que a deficiência de soldados nos Bombeiros é de 60% a 70%. Isto quer dizer que a corporação não tem nem a metade de militares em início da carreira para compor a base. "Neste tempo todo, só foi feito um concurso público. O último foi em 2006, quando 122 soldados foram formados. São treze anos sem soldados novos no Corpo de Bombeiros de Alagoas. "O problema da falta de efetivo complica a rotina do soldado e sobrecarrega a tropa. Não conseguimos atender toda a demanda que surge, prejudicando, principalmente, a população", avalia. Outra bandeira de luta dos bombeiros, comum aos demais servidores estaduais, refere-se à reposição salarial, com base no IPCA deste ano, que o governo do Estado, em um acordo firmado durante uma negociação feita no ano passado, comprometeu-se em fazer o repasse inflacionário. "Até agora, nenhuma sinalização de que esta promessa será cumprida. Não vemos qualquer posicionamento do governo. Renan Filho garantiu que, mesmo não repassando para os demais servidores públicos de outras categorias, para os militares, esta reposição estava garantida", informou Camila Paiva.
Por Gazeta Web